quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Um surdo, quase cego, carece de justiça.

Li este texto no blog da Carol Fomin Arquitetura. Achei revoltante e resolvi postar aqui. Leiam com atenção e vejam o "CARINHOSO TRATAMENTO" com que os "donos do poder" nos tratam. "Muito bonito isso". "Parabéns". "O Brasil vai longe assim".

Minha revolta!

Hj o meu post um protesto contra o INSS, e demais órgãos Públicos.
Por favor tenha um pouco de paciência e leia até o fim.
Há alguns meses tenho acompanhado como intérprete de um amigo surdo que por uma questão de privacidade, vou usar nomes fictícos. Mas a história é verdadeira, mesmo que pareça absurda.
Meu amigo Antônio é surdo, casado com a Alessandra, também surda e pai do Guilherme de 5 anos que é ouvinte.

O Antônio está em um processo junto ao INSS pois além da Deficiência Auditiva bilateral ele sofre de um glaucoma gravíssimo em ambos os olhos. Por já ter passado por 2 cirurgias, e perdendo parcialmente a visão, corre o sério risco de perder totalmente a visão, sua principal forma de comunicação e contato com o mundo, uma vez que já é deficiente auditivo bilateral.

Por precaução e para tentar prolongar ao máximo a visão do Antônio sua médica oftalmologista que o acompanhou desde o príncípio nas cirurgias e sabendo da gravidade de seu problema, desde que sua empresa em que trabalhava o demitiu, ela o recomendou que tentasse a aposentadoria por invalidez pelo INSS, o que já foi feito por diversas vezes, todas sem sucesso.

Como todas as vezes em que ele foi lhe foi negado o benefício sem nenhuma tentativa de comunicação verdadeira e como lá não tinha intérprete e sua esposa que é um pouco oralizada não podia entrar com ele, ele me chamou para acompanhá-lo como intérprete de LIBRAS.

Aí começou o meu dia….
Saímos as 7:00 em ponto da João Dias para a Liberdade (Pça Nina Rodrigues). Quem mora em SP sabe que é bem longe.
Chegamos lá 8:45 e esperamos em uma fila do lado de fora do INSS pois os 4 seguranças que guardavam o portão informaram que não poderíamos entrar pois lá dentro a fila era enorme, expliquei que tinhamos hora marcada, mas rapidamente descobri com as gargalhadas do 1o da fila que me disse:
- Querida, bem-vinda, todos nós temos hora marcada.

Fui para o fim da fila beirando a calçada e passando por jovens, idosos, gestantes, cadeirantes, amputados, pessoas com os mais diversos problemas. Eu e Antonio aguardamos por cerca de 1h em pé do lado de fora, até que comecei a ficar com uma vontade enorme de fazer xixi e fui lá implorar para que me deixasse entrar, que prometia que voltaria para a fila. Depois de muito insistir os seguranças se entreolharam e me deixaram entrar. Fui ao WC e nao resisti ao ver o WC resErvado para Pessoas com deficiencia e fotografei.



Mas isso é só um detalhe. Enfim, depois que entramos, fomos para outra fila de mais 1h dentro do INSS na fila que vcs podem ver abaixo na foto.



Quando finalmente chegamos próximos ao atendimento e poderíamos entrar…. Eles não autorizaram que entrássemos os 2, pois não pode entrar acompanhante. Ah…. Fiquei revoltada e disse:
- Amigo eu VOU entrar. Eu não sou acompanhante, nem familiar. Sou intérprete de LIBRAS, vim para interpretar, fiquei quase 3 h na fila para isso e é isso que vou fazer.

Depois de uns 5 minutos consegui entrar. Só EU, o Antonio teve que ficar de fora. O que é outro absurdo pois eu não poderia por princípios éticos de intérprete responder nenhuma informação por ele, mas enfim… queríamos mesmo era resolver o problema.

Entrei e minha revolta maior ao ver a sala do INSS vazia. Vejam a foto:



Que revolta! De pensar que eu e todas aquelas pessoas dentre elas idosos, gestantes, pessoas de muletas, que foram obrigadas a ficar horas em uma fila sendo que a sala de espera estava vazia, e tinha cadeiras perfeitamente confortáveis para aguardar o atendimento.

Enfim, depois de mais meia hora aguardando (agora sentada). Fui chamada para o atendimento:
- Por favor, o Sr. Antonio está desempregado?
- Não sei, teríamos que perguntar ao Sr. Antonio, respondi.
-
Mais 5 minutos para o gerente da agencia liberar o Antonio para entrar. Depois de algumas perguntas simples, o gerente resolver perguntar para a médica perita se ela autorizaria que eu entrasse junto com o Antonio na sala de perícia. ELA NÃO AUTORIZOU!

Eles falaram que a agencia tem um funcionário que fez esse “curso de aprender esses gestos de códigos”. E que a médica só aceitaria um intérprete da própria agência. Brigamos, pedimos e imploramos para que ele fosse atendido neste mesmo dia, já que já haviamos passado por tudo isso. A resposta que tivemos foi:
- É melhor não se indispor com a médica perita, pode ser pior para o Antonio e ela pode não querer aprovar o benefício dele.

Para não prejudicar o Antônio, ele mesmo desistiu, contrariado é claro. E eu, coloquei meu rabinho entre as pernas e fomos embora. Agora com data remarcada para próxima 2a feira as 7hs da manha quando o funcionário que sabe “esses códigos de sinais” estaria presente.

Minha tristeza é que o Antonio foi lá, na hora marcada, o funcionário realmente só sabia sinais básicos e usava muitos gestos para se comunicar, e pior o Antonio não foi atendido pela perita ainda. Ela remarcou para 3 dias depois as 14hs. Não sei onde isso tudo vai acabar.

Me pergunto: ONDE ESTÁ O RESPEITO AO CIDADÃO?
O RESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS ? ONDE ESTÁ A ACESSIBILIDADE? ACESSIBILIDADE NÃO É SÓ CONSTRUIR RAMPAS. ACESSIBILIDADE É O DIREITO DO ANTÔNIO A COMUNICAÇÃO, O DIREITO QUE ELE TEM DE ENTENDER E DE SE FAZER ENTENDIDO.

Não sei a quem reclamar, onde reinvidincar, por isso expresso aqui o meu dasabafo!




Publicada por Carol Fomin em 15.12.10
Etiquetas: acessibilidade, inss, revolta, surdez

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Sonhos e utopias (im)possíveis

Ricardo Gondim

Morre mais um ano. Parecidíssimo com os demais, os meses desta década vieram marcados por tragédias que se misturaram com poucas alegrias. Rio de Janeiro e Haiti se misturaram às dores dos alagoanos. O sofrimento de tantos miseráveis clamou em alto e bom tom: a humanidade não pode esquecer-se de que o preço de um possível descontrole ambiental será altíssimo. O conflito iniciado pelo Ocidente, que tenta esvaziar a agenda fundamentalista muçulmana, parece não ter fim. Mais uma vez a história lembra que é mais fácil começar uma guerra que terminar.

Com a queda de alguns mitos da modernidade, o mundo padece de uma enxaqueca histórica. Não se acredita mais no progresso sem limite nem na agenda consumista do neoliberalismo. Sobrou uma ressaca, que imobiliza os ideais e as ações transformadoras da história; ressaca que alguns chamam de pós-modernidade. Se a alternativa da alienação não convém, parece que não há vigor para sonhar na reconstrução de outro mundo possível. Porém, sonhar é preciso. Nossos filhos e filhas não merecem herdar um mundo onde impera o desdém.

Trabalhemos pelo alvorecer de um novo dia em que os rios não poluam os oceanos; os peixes não morram asfixiados em águas podres; o raiar do sol seja menos abrasador, pois homens e mulheres conscientes restauraram as camadas estratosféricas porque adquiriram uma nova consciência ecológica. Aguardemos o dia em que novas leituras do Gênesis devolvam a humanidade à sacralidade do jardim e todos se comprometam a cuidar da criação, recompondo a natureza, que geme devido à insanidade do pecado.

Trabalhemos pelo despontar de um novo tempo em que se acabarão as fronteiras entre países, os muros étnicos e as cancelas rodoviárias; em que nos guichês de passaporte o pobre não seja impedido de procurar fugir de sistemas iníquos e o doente encontre o hospital que salvará a sua vida.

Trabalhemos pelo futuro quando espadas serão transformadas em arados. Procuremos ressignificar a esperança de que os bilhões de dólares gastos com armas e bombas sejam relocados em tratamento de esgoto, que aumenta a expectativa de vida de milhões de crianças. Repitamos: é possível acreditar que as fortunas desperdiçadas em cassinos sejam úteis em pesquisa pela erradicação da malária. Esforcemo-nos por esboçar outra realidade, em que se considera inadmissível uma bolsa custar mais que dois anos de salário de um operário.

Trabalhemos para que surjam muitas Madres Teresa de Calcutá em diversos continentes, todas empenhadas em acolher os moribundos. Sonhemos com mais profetas como Martin Luther King -- e que eles não sejam exceção rara. Concebamos que as penitenciárias políticas serão implodidas e que ninguém jamais seja preso por pensar diferente. Criemos um mundo em que os instrumentos de tortura se tornem peças macabras de museu e que não reste nenhuma ilha onde se maltrata outro ser humano em nome de ideologia, religião ou regime político.

Trabalhemos para que deixem de existir corregedorias, grampos telefônicos e espiões e que seja proibido bisbilhotar a privacidade das pessoas. Contribuamos para que o mundo se liberte das delações traiçoeiras contra o próximo. Convençamos os nossos filhos que é dever de todo homem e de toda mulher proteger o seu irmão. Esforcemo-nos para que os orfanatos não precisem manter as crianças por muito tempo porque as filas de adoção se multiplicaram; também, que os idosos nunca fiquem esquecidos em clínicas, à espera da morte.

Trabalhemos para que se multipliquem as orquestras e que os prefeitos construam coretos em todas as praças; e que as famílias se reúnam nos fins de semana para ouvir a apresentação vespertina de música. Não deveria ser considerado um delírio esperar que se projetem bons filmes em vilarejos e em cidades remotas. Oxalá bibliotecas ambulantes distribuam poesia para os tristes e boa literatura para os sonhadores; que escolas treinem bons malabaristas para a alegria das sextas-feiras e que mais trapezistas desafiem a gravidade nos picadeiros.

Trabalhemos para que os experimentos com células-tronco deem certo, e que muito em breve os tetraplégicos sejam curados e saltem como gazelas pela vida. Incentivemos quem trabalha no Projeto Genoma; e que eles terminem de mapear a estrutura da vida biológica para que se reduza o número de crianças com doenças genéticas.

Trabalhemos para que o turismo sexual seja banido e extinto entre os povos; que a pedofilia se torne um anacronismo; que se desarticulem os cartéis de droga -- o tóxico tem que parar de ceifar vidas, já que, um dia, pouquíssimas pessoas precisarão entorpecer a mente para tolerar a vida; os êxtases virão do encontro com a beleza, a bondade e a solidariedade.

Trabalhemos por um novo céu e uma nova terra. Todavia, reconheçamos que esse porvir não acontecerá enquanto a humanidade tolerar o pressuposto da sobrevivência do mais forte, ou da exclusão racial e da discriminação social. Optemos pelo legado de sabedoria que nossos pais nos deixaram, que nos convoca a construir a história. Incumbidos por Deus de promover o bem, represar o mal e disseminar a justiça, acreditemos que o futuro chegará de acordo com a semente que plantarmos no presente.

O futuro que ansiamos nascerá tanto de nossas mãos como de nossos ouvidos. Primeiro, ouçamos as verdades e os princípios eternos que Jesus nos ensinou. Depois, arregacemos as mangas. A vida espera por nós. Nossos filhos e netos não podem correr o risco de sermos negligentes ou apáticos. Qualquer hesitação pode redundar em desastre. Já é tarde!

Soli Deo Gloria

6/12/10